terça-feira, 24 de agosto de 2010


Modernismo em Portugal




No início do Séc. XX, havia um sentimento geral de que não era mais possível renovar a arte tradicional. As escolas literárias repetiam suas fórmulas. A superficialidade convivia com a crença de que a evolução tudo comandava e pouco cabia ao homem nesse processo.
No entanto, um movimento forte e amplo - o Modernismo - viria dar fim a este marasmo e implantar o inconformismo.
Modernismo, não foi apenas produto de uma evolução estética: ele decorreu de todo um estado de espírito formado pela cultura da época e que repercutiria em todas as artes, integrando literatura, pintura, música arquitetura, cinema, etc. A primeira Guerra Mundial foi o grande divisor das águas.
Nesse contexto surgiram as vanguardas européias, que antecederam e originaram o Modernismo literário.
Vanguarda vem do francês e significa extremidade dianteira dos exércitos em luta. E a literatura de vanguarda foi realmente combativa, polêmica, desbravadora e irreverente. Os vanguardistas da época valiam-se do deboche, da ironia e da luta verbal com o objetivo de substituir a arte passadista pela arte moderna.


As principais vanguardas européias foram:
-Cubismo;
-Dadaísmo;
-Futurismo;
-Surrealismo


Todas essas vanguardas tiveram um caráter agressivo, experimental, demolidor e inovador. Combatiam o racionalismo e o objetivismo das teorias científicas do Realismo/Naturalismo/Parnasianismo e pregavam o irracionalismo. Com isso, buscavam uma compressão mais subjetiva do homem, voltada mais para seu interior que para seu exterior.
De 1940 a nossos dias, o Modernismo português desenvolveu várias tendências; Neo- Realismo. Ecletismo, Humanismo dramático, Realismo contraditório e Experimentalismo polivalente.


Características:
• Atitude irreverente em relação aos padrões estabelecidos;
• Reação contra o passado, o clássico e o estático;
• Temática mais particular, individual e não tanto universal e genérica;
• Preferência pelo dinamismo e velocidade vitais;
• Busca do imprevisível e insólito
• Abstenção do sentimentalismo fácil e falso;
• Comunicação direta das idéias: linguagem cotidiana.
• Esforço de originalidade e autenticidade;
• Interesse pela vida interior (estados de alma, espírito)
• Aparente hermetismo, expressão indireta pela sugestão e associação verbal em vez de absoluta clareza.
• Valorização do prosaico e bom humor;
• Liberdade forma: verso livre, ritmo livre, sem rima, sem estrofação preestabelecida.

CONTEXTO HISTÓRICO



-Politicamente, o país vive a agonia de um regime monárquico, que só terminaria em 1910, com a proclamação da república;
- Influenciados pelo fascismo italiano, os integralistas organizam-se politicamente em 1914. Em 1926, surge o Estado-Novo, sob a ditadura de Salazar que permanece durante os anos de 1933 a 1974. Mesmo assim, a produção artística não cessa; Revolução dos Cravos, foi uma das poucas ações pacíficas bem-sucedidas no país. A intenção do Movimento das Forças Armadas era, desde o início, garantir que o vermelho atribuído ao processo fosse somente o das flores.


1ª GERAÇÃO – GERAÇÃO ORPHEU


Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro foram os mais famosos participantes da revista Orpheu que deu origem à primeira geração do Modernismo português: o Orfismo ou geração Orpheu, cuja atuação, entre 1915 e 1927, coincidiu com a vigência da chamada “República Jovem”, a Primeira República portuguesa.


O núcleo fundamental do Orfismo foi a revista Orpheu (1915), que teve dois números. O primeiro foi um projeto luso-brasileiro, com a direção de dois brasileiros. Luis Montalvor e Ronald de Carvalho; o segundo número, mais expressivo, teve a direção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. As demais revistas, que aglutinam as novas tendências, tiveram também duração efêmera: Exílio e Centauro (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922/23) e Athena (1924/25).


Os traços marcantes da Geração Orpheu são as tendências futuristas (exaltação da velocidade, da eletricidade, do "homem multiplicado pelo motor"; antipassadismo, antitradição, irreverência). Agitação intelectual, "escandalizar o burguês", o moderno como um valor em si mesmo.

- domínio da metafísica e do mistério (Meta = depois, além; Physis = física). Neste sentido, a metafísica é algo intocável, que só existe no mundo das ideias.
- desejo de “escandalizar” o burguês
- desajuste social e cultural
- cosmopolitismo considera os homens como formadores de uma única nação, não vendo diferenças entre as mesmas, avaliando o mundo como uma pátria.
- elitismo
- incorporação das propostas das vanguardas


2ª GERAÇÃO – GERAÇÃO PRESENÇA


Em 1927, um grupo de artistas fundou uma nova revista, Presença (cujo primeiro número saiu a 10 de Março, vindo a publicar-se, embora sem regularidade, durante treze anos), que tentou retomar e aprofundar as propostas de Orpheu. Contando com a colaboração de alguns participantes da geração anterior, os "presencistas" defenderam uma arte de caráter mais psicologizante. Seus principais representantes foram: José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca.


3ª GERAÇÃO – GERAÇÃO NEO-REALISTA


Esta se coloca contra as posturas da anterior, principalmente pela defesa do engajamento da literatura, da sua contribuição na conscientização do publico leitor, quanto aos problemas sócio econômicos e políticos do país. Também era sua função conscientização dos males da censura, e retrata um país conturbado pela ditadura e pela 2ª guerra. Ferreira de Castro, Carlos de Oliveira, Fernando Namora, Alves Redol, José Cardoso Pires e Vígilio Ferreira são alguns de seus principais representantes.

FERNANDO PESSOA





13 de junho de 1888 - O escritor português nasceu, numa casa do Largo de São Carlos, em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vitimado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge.


1896 - Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, os estudos secundários.


Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda, , na Universidade do Cabo, terminou os seus estudos na África do Sul. No tempo em que viveu neste país, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em Portugal, tendo residido em Lisboa e viajado para Tavira, para contactar com a família paterna, e para a Ilha Terceira, onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes.


1905 - Regressa a Lisboa
1906 - Matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa
1907 - Abandona o curso.
1914 - Surge o mestre Alberto Caeiro. Fernando Pessoa passa a escrever poemas dos três heterônimos.
1915 - Primeiro número da Revista "Orfeu". Pessoa "mata" Alberto Caeiro.
1916 - Seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.
1924 - Surge a Revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1926 - Fernando Pessoa requere patente de invenção de um Anuário Indicador Sintético, por Nomes e Outras Classificações, Consultável em Qualquer Língua. Dirige, com seu cunhado, a Revista de Comércio e Contabilidade.
1927 - Passa a colaborar com a Revista "Presença".
1934 - Aparece "Mensagem", seu único livro publicado.
30 de novembro de 1935 - Morre em Lisboa, aos 47 anos.




OS HETERONIMOS DE FERNANDO PESSOA


Sua capacidade de deixa-se possuir por outros seres, que como ele são poetas, e de assim criar os outros eus, os heterônimos, tem sido tema de numeráveis estudos debates e controvérsias. Destruiu as certezas inquestionáveis e quebrou o mito da personalidade como algo inteiro, algo assim mesmo.


Os heterônimos, portanto, não são máscaras literárias, não se confundem com pseudônimos. Pessoa não inventou personagem-poetas, mais criou obras de poetas, e, em função delas, as biografias de Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro, seus principais heterônimos.


- ALVARO DE CAMPOS, O POETA DAS SENAÇÕES DO HOMEM MODERNO


É um poeta modernista, futurista, cubista. Por sua temática – as sensações do homem no mundo moderno – pode se considera-lo um sensacionista.


Lisbon Revisited (l923)


NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


-RICARDO REIS, O POETA NEOCLÁSSICO


O poeta neoclássico, é a passagem do tempo a irreversibilidade do destino, a necessidade de fluir o momento presente. A obra caracteriza-se por versos curtos com vocabulário muitas vezes erudito, sintaxe clássica, referencias mitológicas.


As Rosas


As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.


-ALBERTO CAEIRO, O POETA-PASTOR


Considerado por Pessoa o seu mestre, é o homem reconciliado com a natureza, que rejeita todas as estéticas, todos os valores, todas as abstrações. Autodidata, de grande simplicidade sua sabedoria consiste em ver o mundo de forma sadia e plena, sensorialmente, em comunhão direta com ele e com seus fenômenos.


O Guardador de Rebanhos


Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é ambição minha.
Na minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Contúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé de uma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural –
Por exemplo, a árvore antiga
Á sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...